Demétrio Magnoli – Folha de S. Paulo, 14 de novembro de 2015
Somos doces, quase melados. É, dizem, nossa herança portuguesa.
Caetano Veloso e João Pereira Coutinho duelam sobre Israel/Palestina.
Aparentemente, divergem em tudo, menos nos bons sentimentos. De fato, estão de acordo sobre o ponto crucial: partindo de premissas simétricas, descartam a paz pela partilha da Terra Santa em dois Estados. Fazem propaganda de guerra. Suavemente. Na sua crítica, Coutinho (Folha, 10.nov) explica que é inviável trocar terra por paz pois “a parte árabe sempre recusou essa troca”. Como prova, oferece uma visita cuidadosamente truncada à história do conflito, que poderia ser subscrita por Netanyahu. Lá estão o Plano de Partilha da ONU, o Nasser dos “Três Nãos” e o Hamas. Caetano (Folha, 8.nov) usa as vozes de outros para narrar a sua própria conversão. No início, ele está com o Breaking the Silence, que contesta a ocupação; no fim, adere ao BDS, que contesta a existência de Israel. “Apartheid”, “nazismo”. Caetano reprova as “formas altivas de intolerância” dos “garotos militantes” do BDS, mas salpica seu adeus com as senhas que eles utilizam. Ele conta que, entre shows e ensaios, “redobrou as pesquisas” sobre o conflito na Terra Santa, mas parece nunca ter acessado os documentos do BDS, disponíveis na internet.
Se tivesse feito a lição de casa, saberia que a erradicação de Israel é, realmente, o objetivo político do movimento, não um boato difundido por sindicalistas brasileiros ultraesquerdistas. Mas, nesse caso, sua peça de propaganda seria menos persuasiva. A propaganda eficaz é uma espécie singular de mentira, erguida com os tijolos da verdade. Coutinho e Caetano completam-se mutuamente. Lendo um, tenho vontade de concordar com o outro – e vice-versa. Eles não precisam polemizar: no fim do arco-íris, abraçam-se na rejeição à única fórmula de paz em Israel/Palestina.
Demétrio Magnoli é colunista da Folha de S.Paulo.
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