“Nossa luta”, artigo de Paulo Maltz – presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro – O Globo

Pode uma obra que defende explicitamente a discriminação racial e que inspirou o maior massacre da História ser livremente vendida e comprada? A liberdade de expressão é um direito ilimitado ou deve submeter-se a outros direitos fundamentais da pessoa humana? Estas questões fundamentais ressurgiram após o dia 2 de fevereiro, quando a Justiça determinou a proibição da exposição, venda e divulgação do livro “Minha luta” (Mein Kampf), de Adolf Hitler. Esta obra, considerada a “bíblia do nazismo”, já estava proibida no Brasil havia décadas, mas voltou às livrarias após ter caído em domínio público no primeiro dia deste ano, o que foi interpretado como liberação por editores e livrarias. Enquanto grupos representativos de minorias perseguidas pelo nazismo, entre elas a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, aplaudiram a decisão, alguns membros da mídia e da academia declararam-se contrários. Uns alegaram que a proibição da obra limitaria a atuação de estudiosos no tema. Outros viram nela um ato de inaceitável censura. A nosso ver, ambos estão equivocados. Primeiramente, pesquisadores sempre tiveram acesso privilegiado a obras e documentos que, por diversos motivos, são restritos ao grande público. As alegações de censura também não se sustentam, e não é preciso ir muito longe para encontrar sólidos argumentos que contrapõem esta tese. Basta consultar a própria decisão do juiz Alberto Salomão Jr, disponível em bit.ly/minhaluta. Citando o artigo 20 da Lei 77186/89, o juiz ressalta que “a venda de livros que veiculam ideias e ideais nazistas fere gravemente a ordem pública” e lembra que o autor da obra em questão “pregava e incitava a prática do ódio contra judeus, negros, homossexuais, ciganos etc”.

Segundo o magistrado, “o fomento a qualquer forma de discriminação à pessoa humana contraria os mais basilares valores humanos e jurídicos tutelados pela República Federativa do Brasil”. Não há neste caso, para ele, conflito entre os direitos fundamentais à informação e à dignidade da pessoa humana. E mesmo que houvesse, não há dúvida de que “vai prevalecer a tutela dos direitos humanos”.

Para corroborar esta opinião, o juiz Alberto Salomão reproduz em sua decisão ementa do STF que diz: “O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas”. Temos, portanto, claramente expostas as razões pela qual acertadamente se confirmou a proibição do nefasto livro do ditador Adolf Hitler no país, mesmo após ter caído em domínio público. Esta decisão da Justiça brasileira é uma vitória não apenas para a os judeus, sem dúvida as maiores vítimas do ódio propagado por esta obra, mas para todas as minorias perseguidas pelos nazistas e para todos os defensores dos direitos da pessoa humana.

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