Alemanha e Israel mantêm relacionamento a base de solidariedade e tabus

A chanceler alemã, Angela Merkel, recebe o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, na sede da chancelaria em Berlim, na Alemanha, nesta quarta-feira. O encontro se dá em um momento tenso entre as nações, já que Merkel pediu para Israel renunciar seu projeto de construção de novos assentamentos nos territórios palestinos.

Em outubro de 2011, a chanceler alemã subiu ao palco da academia do Museu Judaico de Berlim, ao lado do maestro Daniel Barenboim. O concerto de celebração havia terminado, e o diretor do museu entregara à Merkel o Prêmio de Compreensão e Tolerância.

 Este foi um de muitos prémios que a chanceler recebeu das instituições judaicas nos últimos dois anos, incluindo o Prêmio Heinz Galinski da Comunidade Judaica em Berlim, o Prêmio Luz para as Nações do Comitê Judeu Americano e um doutorado honorário da Universidade de Tel Aviv.

 No Museu Judaico, Merkel proferiu palavras agradáveis, dizendo que o prêmio era tanto uma honra quanto uma responsabilidade. Depois, ela citou um estudo segundo o qual 60% dos europeus, inclusive os alemães, consideram Israel a mais significativa ameaça à paz mundial.

 A lógica de Merkel parece levar à conclusão que dois terços dos alemães têm sentimentos antissemitas. Será que realmente a chanceler acredita nisso? Ou sua intenção era simplesmente, como disse no discurso, advertir contra um aumento do antissemitismo?

 O discurso de Merkel fornece um caminho direto para o campo minado que são as relações entre judeus e alemães e entre Alemanha e Israel. É claro que é um absurdo rotular Israel como o pior agressor do mundo. Mas simplesmente fazer tal declaração já conta como antissemitismo? Onde terminam as críticas objetivas e começa a difamação?

A controvérsia com as colunas de Jakob Augstein no “Spiegel Online” e em outras partes fez renascer esse debate, uma tempestade iniciada quando o centro Simon Wiesenthal, em Los Angeles, colocou Augstein em sua lista de piores antissemitas do mundo.

 Toda sociedade precisa de tabus

 Nos últimos anos, surgiram duas arenas diferentes de discussão na Alemanha: uma para os políticos e uma para o público. A maior parte dos políticos se agarra fortemente e temerosamente à segurança do discurso oficial em suas declarações. Particularmente os membros do Bundestag, o parlamento alemão, que não esqueceram o caso de Philipp Jenninger em 1988.

Jenninger, presidente do Bundestag na época, foi pouco claro em um discurso para o aniversário dos pogroms da noite de cristal nazista de 1938, deixando suas próprias opiniões abertas à interpretação. Em 24 horas, Jenninger teve que renunciar.

 O público em geral, por outro lado, está cansado das restrições que ditam o que pode e o que não pode ser dito com o intuito de manter as boas relações entre a Alemanha e Israel.

 Toda sociedade precisa ter seus tabus, é claro. Na Alemanha, negar o Holocausto é um tabu, assim como lançar dúvidas sobre o direito de existir de Israel. Mas cada era não precisa encontrar sua própria linguagem particular pela qual se comunicar?

A Segunda Guerra Mundial acabou há mais de seis décadas. A geração que perpetrou os crimes está morrendo. A Alemanha se tornou um dos principais aliados de Israel, como se comprova pelos bilhões de euros de vendas de armas da Alemanha para Israel. Isso não seria base suficiente para se falar abertamente, até expressar críticas duras, caso necessário?

 A chanceler certamente não pensa assim. Mais do que qualquer outro chefe de governo, ela alinhou a Alemanha com Israel. Algumas pessoas veem esses esforços para a reconciliação com o povo judeu como a única convicção que a chanceler de fato mantém. “Ela toma as coisas pessoalmente”, diz Deidre Berger, diretora do escritório do Comitê Judaico Americano em Berlim.

Shimon Stein, ex-embaixador israelense na Alemanha, foi convidado particular na casa de final de semana de Merkel na região do Uckermark, a nordeste de Berlim.

 Em um discurso de 2008 ao Knesset, Merkel declarou que a segurança de Israel faz “parte da razão de ser” do seu país. Ainda mais espetacular foi a declaração que se seguiu: “E, se é assim, então não se pode permitir que essas sejam palavras vazias em tempos críticos”. Isso só pode ser compreendido como uma garantia de Merkel a Israel que a Alemanha vai entrar com ajuda militar, se necessário.

 Solidariedade incondicional

 “Os políticos alemães devem estabelecer um relacionamento de confiança mútua com Israel, para que as críticas a Jerusalém não sejam incompreendidas”, diz Ruprecht Polenz, membro da União Democrática Cristã, de Merkel, e presidente do Comitê de Política Externa do Bundestag.

A chanceler certamente fez isso. Mas ela também fez um protesto mais silencioso quanto à política de assentamento de Israel, com pouco efeito. Muitos dentro da chancelaria estão frustrados que esses argumentos não tenham tocado em nada o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

 A solidariedade incondicional de Merkel a Israel, portanto, não deu o retorno esperado, mas ao mesmo tempo distanciou a chanceler de muitos alemães, que não desejam segui-la tão incondicionalmente.

 O tamanho desse vão pôde ser visto no debate público na última primavera sobre um poema de Günter Grass, no qual o autor retratou Israel como o agressor no Oriente Médio e uma ameaça à paz mundial.

Nenhum dos altos políticos do país saiu em defesa de Grass. Hermann Gröhe, secretário-geral do CDU, disse que ficou “chocado” com o poema, e até Sigmar Gabriel, presidente do Partido Social Democrático (SPD, na sigla em alemão) afirmou: “Parte dele é excessivo, e muitas partes são histéricas”.

Essas reações somente tornaram o apoio do público a Grass ainda mais veemente, com cartas e mais cartas chegando às sedes dos partidos expressando revolta diante das críticas dos políticos a Grass.

 O que exatamente significa essa reação? Os alemães são uma nação de antissemitas, com uma cara feia de ódio para os judeus atrás de cada esquina, como sugeriu recentemente o autor Tuvia Tenenbom em seu livro “I Sleep in Hitler`s Room: An American Jew Visits Germany” (em tradução livre, “Durmo no quarto de Hitler: um judeu americano visita a Alemanha”)?

 Houve uma série de estudos sobre o antissemitismo na Alemanha, e poucos tópicos foram examinados tão extensamente quanto os ressentimentos dos alemães em relação aos judeus. O mais recente desses estudos foi conduzido em nome do Ministério do Interior e conta com 204 páginas.

 Certo grau de ceticismo

 Ainda assim, a questão perdura: como se pode medir uma postura, um sentimento? Em qual unidade se calcula o ódio? Alguém é antissemita se disser que os judeus têm influência demais na Alemanha? Ou se concordar com a opinião que os judeus nunca cuidam de ninguém a não ser deles mesmos e dos seus?

 Uma coisa pode ser dita com certeza, que a Alemanha está mais para o meio do espectro nessas questões. Na Polônia e na Hungria, por exemplo, o ressentimento com os judeus é muito maior do que na Alemanha. De acordo com o estudo do Ministério do Interior, 20% dos alemães têm um antissemitismo latente.

 Certamente esses números devem ser tomados com certo grau de ceticismo. Os próprios pesquisadores admitem que é impossível produzir resultados claramente mensuráveis nesse campo. Mas uma coisa está clara: o antissemitismo dos alemães é uma grande tentação na política –qualquer político que queira angariar votos para seu partido rapidamente pode lançar mão do sentimento contrário aos judeus.

 Este, porém, é um jogo perigoso, como o político Martin Hohmann descobriu quando usou a expressão “uma nação de perpetradores” em conexão com os judeus. Merkel, então, o expulsou do grupo parlamentar do CDU. A história de Jürgen W. Möllemann também acabou mal.

Möllemann, alto político do Partido Democrático Livre (FDP, na sigla em alemão), fez um jogo que deixou não apenas muitos eleitores cativos, mas também seu próprio partido, afirmando em uma entrevista que tinha simpatia pelos homens-bomba palestinos e acusando o então vice-presidente do Conselho Central de Judeus na Alemanha, Michel Friedman, de ser “intolerante e vingativo”.

 O presidente do FDP, Guido Westerwelle, demorou a reagir. Só quando Hans-Dietrich Genscher e os altos membros do partido intervieram, que Westerwelle rompeu com Möllemann. Israel não se esqueceu do incidente e mantém Westerwelle, hoje ministro de relações exteriores da Alemanha, sob observação até hoje por causa do caso de Möllemann.

 Olhos abertos

Mais do que nunca, Israel se sente ameaçado, tanto pelo Irã quanto pelos desdobramentos no mundo árabe, e essa sensibilidade só está crescendo. Ao mesmo tempo, da perspectiva da Alemanha, há muitas razões para se ver as políticas israelenses com olhos críticos. O país mudou. Houve mudanças demográficas com a imigração da Europa Oriental e da África que levaram a maioria política mais à direita. Ao que parece, os radicais terão a palavra no país nos próximos anos.

 Enquanto isso, a política de assentamento de Israel logo tornará impossível a ideia de um Estado palestino. Quando Hans-Ulrich Klose, alto politico do SPD para questões de política externa, recentemente participou de um congresso em Israel, ele quase não encontrou políticos que ainda trabalham para uma solução de dois Estados –a solução que a Alemanha considera o único caminho viável para a paz no Oriente Médio. “Abriu meus olhos”, disse Klose.

 O que a Alemanha então deve fazer? Klose diz que ainda acredita que o governo alemão deve evitar criticar Israel publicamente. “Por que a Alemanha, de todos os países deve ser crítica de Israel?”, pergunta. Mas alguns jovens políticos têm uma opinião diferente e estão cada vez menos dispostos a se ater à velha abordagem.

 “A Alemanha tem uma responsabilidade histórica”, concorda Julia Klöckner, 40, diretora do CDU no Estado de Renânia-Palatinado. “Mas isso não é um cheque em branco, garantindo que não haja críticas de política externa”.

 A Alemanha precisa encontrar uma forma de ser menos inibida em sua relação com Israel, sugere Klöckner. Ela acrescenta “Quem sempre sai com acusações de antissemitismo perde a credibilidade”.

 “Menos inibida com Israel”? “Acusações de antissemitismo?” São coisas para se dizer? Klöckner talvez tenha que enfrentar considerável fogo por suas declarações –ou talvez encontre aprovação considerável.

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