Artigo publicado no jornal FOLHA DE S. PAULO ,de autoria de Claudio Lottenberg, presidente do HIAE, em, 26 de Outubro de 2016.
A ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega, já dizia Albert Einstein. Isso talvez seja um primeiro indício de que a intelectualidade exige uma dinâmica mais ampla para quem deseja exercê-la.
Na questão de Jerusalém, o vínculo é, sim, de caráter religioso e permeia a tradição judaica milenar. Basta conhecer o Velho Testamento para constatar. A Unesco, portanto, repete os vícios do pseudointelectualismo, propondo um revisionismo próprio dos oportunistas de plantão.
Jerusalém está numa encruzilhada da civilização, da fé e da própria história. A cidade foi várias vezes destruída e reconstruída, atacada, sitiada, capturada. Continua venerada por fiéis do judaísmo, cristianismo e islamismo.
Lugar em que se situa o Monte do Templo, Jerusalém é um território sagrado para os judeus. Como possui mesquitas, é venerada também por muçulmanos. Além disso, é reverenciada por cristãos de todo o mundo, inclusive do Brasil, devido a numerosas referências bíblicas.
Não há como dissociar Jerusalém dos judeus e de Israel. No entanto, uma resolução da Unesco aprovada recentemente nega todo o vínculo entre o Monte do Templo de Jerusalém e o judaísmo, limitando-se a considerá-lo como um lugar de culto muçulmano, no qual está a mesquita de Al-Aqsa.
Com essa resolução, na prática, a Unesco estabelece que o Muro das Lamentações, local mais santo para a religião judaica, e o Monte do Templo são sagrados apenas para os muçulmanos, ignorando os fiéis de outras religiões.
O Brasil, infelizmente, inclui-se entre os 24 países que aprovaram essa disparidade, reforçando um bloco que em nada se assemelha ao nosso pluralismo cultural e à nossa boa prática de tolerância.
O problema está no contexto da composição da ONU e de seus colegiados, com múltiplos interesses secundários que se sobrepõem a questões humanitárias. A maioria dos países integrantes desses conselhos parece mais empenhada em fomentar o antissemitismo e uma torpe propaganda contra Israel.
Repete-se o que vem acontecendo há anos, com um órgão desgastado e que incorporou ao seu rito condenações a Israel. Só no ano passado, das 23 condenações, Israel foi contemplado em 20 delas. Todo o resto do mundo ficou com apenas três.
Segundo essa visão distorcida, Israel seria o grande responsável pelo terror no mundo, a mais grave ameaça internacional. Pouco se fala da intolerância no resto do mundo.
Negar a conexão histórica de Israel com o Monte do Templo ou o Muro das Lamentações, como querem alguns, é negar o contexto do próprio sionismo. Trata-se de uma mecânica engendrada que visa destruir um vínculo de milênios. Dá a entender que o Estado judeu poderia estar em outro lugar que não lá.
Parece óbvio que o caminho sinalizado pela Unesco tem importância prática irrelevante, mas, partindo-se do princípio de que uma mentira repetida mil vezes pode se tornar verdade, convém esclarecer a questão de forma adequada, evitando-se assim que o revisionismo supere a história real.
CLAUDIO LUIZ LOTTENBERG é presidente do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Coalização Saúde. Ex-presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil), é representante da Fundação Jerusalém no Brasil
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