Ciganos usam centro contra preconceito

“Quando eu era uma criança vendendo cartões-postais a turistas, não pensava que escreveria um livro. Ser criada na cultura cigana era como um filme, com partes doces misturadas a partes dolorosas”. Assim começa o livro “Uma Cigana Sonhando em Jerusalém”, de Amoun Sleem, diretora do Centro Domari na cidade milenar, onde os ciganos —ou dom, como se denominam— vivem há um século como uma das minorias mais pobres. Amoun Sleem luta contra os estigmas e preconceitos —externos e internos— que sua comunidade enfrenta.

No Centro Domari, que fica no bairro árabe de Shuafat, em Jerusalém Oriental, Sleem tenta preservar a pouco conhecida cultura cigana regional. Lá há aulas de culinária, costura, árabe, além de confecção de bijuterias e roupas para venda em feiras. Dom significa homem no idioma tradicional dos ciganos, o domari, quase em extinção. Mas os ciganos são chamados pejorativamente de “nawar” (sujos, em árabe) por seus vizinhos. “Para os árabes somos ‘nawar’. Para os judeus, somos árabes. Estamos no meio”, diz Sleem. “O lado judaico é mais tolerante, talvez porque tenhamos sofrido o mesmo destino no Holocausto”, diz a cigana, se referindo ao fato de que 250 mil ciganos europeus foram mortos pelos nazistas. Solteira e de meia-idade (ela não revela quando nasceu), Sleem é quase uma celebridade local, vista como ousada e pioneira. Fala árabe, hebraico, inglês e holandês, além de pitadas de domari. Foi a primeira cigana de Jerusalém a obter diploma do ensino médio. Também foi a primeira a viajar de avião e a fundar uma ONG, em 1999. O preço a pagar pela modernidade foi nunca se casar. Hoje, 70% dos ciganos de Jerusalém estão desempregados. Cerca de 80% são analfabetos e quase todos vivem abaixo da linha de pobreza.

Segundo Dafnah Strauss, do departamento de Política e Comunicações do Hadassh Academic College, há um esforço da Prefeitura de Jerusalém em manter as crianças na escola. Se, há duas décadas, 80% das crianças ciganas não completavam os estudos, hoje são apenas 30%. Strauss faz parte de um grupo de voluntários israelenses que tenta ajudar a comunidade. Há cerca de 7.000 ciganos entre os 900 mil moradores de Jerusalém. Parte vive dentro dos muros da Cidade Velha, o restante vive no bairro próximo de Shuafat.

Em termos políticos, os ciganos de Jerusalém dizem não tomar lados. “Não vemos os israelenses como inimigos. Não nos envolvemos em violência contra Israel. Queremos paz para todos. Somos todos irmãos”, diz Khadra Ibrahim.
Daniela Kresch, Folha de S.Paulo

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