Você sabe o significado de judiar?

Vale a pena conferir a origem e o real significado de judiar, cuja explicação correta foi retirada do dicionário Aurélio.

O jovem paulista Gabriel, de 14 anos faz uma consulta: “…Ontem eu li num site que o holocausto da Alemanha nazista não passa de uma invenção (que eles chamam de “holoconto”) e que a palavra judiar vem das maldades que os judeus costumavam cometer contra os cristãos. Essa explicação está correta? É impressão minha ou o site é meio racista?”.

O professor Moreno responde:

“Meu caro Gabriel, não fosse pela tenra idade eu não desculparia tuas dúvidas. ‘Meio’ racista? Para começar, ele faz, a meu ver, duas coisas imperdoáveis: primeiro, nega o horror absoluto que foi o Holocausto; segundo, e talvez pior ainda, procura fazer humor com algo que jamais será engraçado (convenhamos, ‘holoconto’ é uma blague de insuperável mau gosto). Já que frequentas a internet, procura e acharás dezenas de depoimentos e documentários que vão ter dar uma visão aproximada dessa inexplicável explosão da maldade humana. Como diz Giorgio Agamben no início de seu livro sobre Auschwitz (a tradução é minha), “No campo de concentração, uma das principais razões para sobreviver é a ideia de um dia poder testemunhar sobre o que aconteceu” – exatamente para neutralizar esses fanáticos do lado negro da Força que vivem tentando, dos modos mais delirantes, apagar de nossa memória o que nunca deverá ser esquecido.

É também um equívoco a explicação que eles dão para judiar. É importante lembrar que as judiarias (ou judarias, como eram mais conhecidas) eram os bairros judeus do Portugal antigo, similares às mourarias, onde se concentravam os muçulmanos. Nas Ordenações Afonsinas, que datam mais ou menos do descobrimento do Brasil, lê-se, no título 86: “De como os judeus hão de viver em judarias apartadamente”. Nas cidades maiores de Portugal, onde esse confinamento era imposto com rigor, era proibido ao judeu, sob graves penas, “andar fora da judaria depois de tanger a Ave Maria”, como nos explica o dicionário de Bluteau.

O verbo judiar, ao que parece, era usado justamente para descrever as incursões que os cristãos faziam nessas judarias para  infernizar a vida de seus moradores – daí o valor que este termo tem até hoje de “maltratar, tratar com escárnio”. “Vamos judiar!”, portanto, seria um sinônimo para “Vamos mexer com os judeus”. Contudo, contaminada por uma longa tradição de preconceito racial e religioso, a cultura popular (e, portanto, nossa língua) preferiu ver o judeu como o sujeito deste verbo (aquele que judia), quando, na verdade, ele era apenas o seu objeto direto (a vítima, ou seja, aquele que é judiado).

O único dicionário que registrou esse ponto de vista foi o Aurélio – mas apenas até sua segunda edição, a que eu uso, apelidada por mim de Aurélio-vivo (acredite, prezado leitor, esta é a mais confiável de todas, pois as edições seguintes, feitas depois da morte do mestre, continuam descendo vertiginosamente ladeira abaixo).

Ali, o verbete judiar abre com uma definição que inexplicavelmente foi retirada das edições posteriores: “tratar como antigamente se tratavam os judeus: escarnecer, maltratar”.

Jornal ZERO HORA 1º.2.2014.

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